segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

TEMOS ARTE PARA QUE A REALIDADE NÃO NOS MATE




"A arte-terapia é um instrumento de interpretação", diz a psicóloga Morgana Masetti, integrante do grupo "Doutores da Alegria", que atua no Instituto da Criança da USP (Universidade de São Paulo), na capital.Para Morgana, o trabalho do "Doutores" não é arte-terapia. "Nosso objetivo não é terapêutico, mas tem como consequência a terapia. Isso é importante para o meio hospitalar", afirma a psicóloga, que pesquisa como a arte pode influenciar no tratamento.Ela defende que a introdução da arte possa mudar o modelo médico atual, centrado na técnica e que deixa de lado a relação humana com o paciente. "O médico se preocupa somente com o prognóstico, quando o paciente vai morrer, e deixa de se importar com ele quando descobre isso. O artista não pensa assim, e por isso um espetáculo ajuda."É o que pensa também a alergista e imunologista Cristina Miuki Abe Jacob, 47, responsável pela unidade de imunologia do Instituto da Criança de São Paulo. "Os 'Doutores da Alegria' são facilitadores do trabalho médico. Há crianças que não querem ser examinadas porque têm medo dos médicos." Segundo ela, trabalhos de arte tornam o hospital menos agressivo para os pacientes.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

PEQUENO (NÃO) MANUAL DAS CHEGADAS E PARTIDAS




"esta vida é uma estranha hospedaria, onde se parte quase sempre às tontas. e nossas malas jamais estão prontas. e as nossas contas nunca estão em dia". Mário Quintana


As pessoas entram e saem da vida alheia sem qualquer coisa que sirva para tornar a entrada menos assustadora e a saída menos dolorosa. Às vezes chegam tão de repente que não dá tempo de pintar as unhas nem os olhos, nem de por o vestido ideal ou de dizer a coisa certa. Às vezes vão sem dizer adeus, ou porque não sabem fazer de outra forma ou porque o tempo é curto para as despedidas ou porque, vai saber, tem mesmo de ser assim.Se é verdade que o mundo anda em círculos - seriam ciclos? - os encontros e os desencontros são peças de uma engrenagem que o dono do universo manipula de acordo de acordo com o próprio humor - justiça divina? - e que nós, os mortais, Seus filhos (é o que dizem), recebemos com um frio na barriga no caso das chegadas e com um vazio no peito no caso das partidas.

Faz parte (clichê número um), e um pouco de açúcar, um pouco de álcool, um pouco de colo e um pouco de música ajudam a administrar a presença da melhor amiga da infância que propõe um reencontro milhões de (quase dez) anos depois, a ausência do sujeito que precisa achar a si mesmo do outro lado do mapa, a presença do sorriso irrecusável que aparece sem pedir licença (clichê número dois), a ausência dos que a gente sente saudade e não sabe o que dizer.

Assim e pronto, e nem mil ensaios, mil exemplos e mil teorias (clichê número três) seriam suficientes para disfarçar a vertigem na hora do "seja bem-vindo à minha vida" (depois dá ao menos para rir da própria inabilidade) ou se manter de pé quando chega o momento do "não quero mais a sua insensatez" (demora um pouco mais, é verdade, mas a gente acaba aprendendo a rir disso também).Com o tempo (clichê número quatro), a gente aprenda a relativizar o tempo e as escolhas, as conquistas e as perdas, os encontros e as despedidas. A vida, já dizia o grande Leminski, não tem cura (clichê número cinco, o último de hoje, palavra de honra), e muito menos cabe num pequeno manual das chegadas e partidas, este aqui, coitado, um não manual, pra dizer a verdade, de coisas que não tem saída.

Ana Laura Nahas

Poesia

“Para estar em Deus, há que se provar pelo tato o rancor dos temporais, a calma gentil dos regatos, o segredo das grutas e das ribanceiras”. Rumi

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Histórias Que Ficam Fora do Divã




Era a primeira vez, depois da separação, que iria ao cinema sozinha. No início, achei a idéia libertadora mas, um segundo depois, humilhante. Como me comportaria na fila quando um casal de namorados ficasse se agarrando? Beijinhos para cá, risadinhas para lá? Adolescentes, então, não param de beijar e dizer coisas no ouvido um do outro. Irritante, pensei com um certo desdém e inveja, claro. E como devo me comportar para evitar o encontro de olhares, que alguns homens acompanhados, lançam às mulheres que estão sozinhas? Pior ainda, é aguentar a olhadela desconfiada, de cima a baixo, de algumas mulheres que ficam alertas ao menor desvio de olhar de seus acompanhantes para mim? Pretenciosa. Não. Eu também era assim. Eu bem que me esforçava para ser natural e evitar de fixar o olhar em alguém. Pensava no que elas deviam estar pensando de mim. Na certa, uma , uma mulher desacompanhada na fila do cinema: ou está esperando o namorado ou quer encontrar algum.
Disfarçava olhando para o meu telefone celular quem sabe eu receberia uma ligação ou mensagem que mostrasse que alguém liga para mim. Essa ilusão me salvava do mal estar de estar sozinha numa fila que parece feita para os pares ou pais acompanhando filhos. Pode parecer rídiculo, ficar assim por causa de um simples cineminha. Mas, assim é se lhe parece e o preconceito parte normalmente de quem se preocupa com o tema. Na certa ninguém devia estar me notando. Só eu mesma e minhas cismas. Mas como uma boa leonina, sempre achava que alguém estava prestando atenção em mim. Para o bem ou para o mal. E agora nesta fila, desacompanhada, imaginava que todas as mulheres desconfiavam de mim. Teve um momento que fiquei orgulhosa com a minha coragem e audácia de estar sendo a outra que sempre me importunou e alimentou minhas fantasias de estar sendo traída. Nada me irritava mais do que dar de cara com uma mulher livre e desempedida na frente de meu homem. Achava-as umas exibidas e provocadoras. Ao mesmo tempo, sentia uma certa dose de prazer por serem incapazes de manter alguém do seu lado. Afinal eu estava com alguém e elas não, concluia com orgulho.
Agora, na fila sozinha, eu era elas. E sentia na pele o peso do meu preconceito e julgamentos que só serviram de alimento para o cão de duas cabeças que ficava na porta do pequeno-mundo-de-Gisele. Aquilo que não era espelho, se tornava uma ameaça para mim e meu cão faminto. Quando saía com Jaime, o meu ex-marido, as cenas de ciúme aconteciam de uma hora para outra. Até nos passeios despretenciosos, como uma ida à padaria, por exemplo, rolava um estresse. Como uma detetive, seguia a direção de seus olhos; tentava interpretar o por quê de um suspiro mais longo. Quando ele apertava os lábios ou levantava as sobrancelhas, interpretava a cena como uma tentativa de traição. Nem vendo sessão da tarde, em casa, deitada no sofá com ele, eu relaxava. Ficava sempre atenta: no que será que ele está pensando? E vivia reclamando da sua insensibilidade. Quebrei todas as xícaras de café quando, certa vez, pintei as unhas de vermelho paixão, igual as da minha amiga Camila que ele tanto elogiou tanto, e as minhas ele nem reparou. Imitava a cena do filme Tomates Verdes Fritos quando a personagem quebrava uma xícara toda vez que via o marido saindo com sua amiga. Os cacos eram então colados na parede, formando uma espécie de mosaico que lembrava o quanto se sentia partida por dentro. Eu só quebrava as xícaras.
Hoje, admito que era uma forma muito cansativa de me relacionar. E reconheço que devia ser muito difícil estar com alguém assim. Dizem que as pessoas que têm ciúmes não querem manter a relação. Pode ser, mas eu bem que tentei mudar. Li várias biografias de mulheres ricas e famosas mas-que-foram- infelizes-no-amor para aprender a não fazer o que elas fizeram. Ou seja, evitar cometer os mesmos erros nas relações amorosas. Mas acho que só aprimorei minha técnica de sufocar o outro. Meus sentidos só tinham olhos para os fatos que fizeram a relação das donas virarem um inferno.
Minha amiga Clara, assistente social de um grande hospital, disse que minha intenção era de apenas encontrar aliadas. Parceiras. E assim justificar meu comportamento. Ela dizia que eu fazia cenas de ciúme porque queria mais emoção na relação. “Quem gosta, sossega”, afirmava Clara. É, pode ser.
Mas nem imaginava que um dia ele se cansaria. Pior ainda, que ligaria de sua viagem a trabalho dizendo, simplesmente, que acabou.
- Gisele, fico por aqui.
Terminar por telefone é muita canalhice. Eu não merecia, pensei. Por que não disse olhando nos meus olhos? Tive raiva, muita raiva. Durante um mês tive vontade de esfolá-lo vivo. Enquanto tinha raiva me movimentava, fazia coisas, encontrava amigas... Mas ruim mesmo foi quando a saudade se instalou. Meus dias já nasciam cansados, arrastados. Percebi o quanto estava ausente de mim e viciada em nós. Queria sentir o seu cheiro, acompanhar seu olhar. Saber se ele havia terminado de ler o livro de Júlio Cortázar sobre personagens do cinema. Se a sua alergia a camarão havia melhorado. Se as cuecas estavam com elástico e as meias sem pelos.
Por dias recapitulava o que teria acontecido na manhã que ele viajou. Por mais que pensasse não encontrei nada que pudesse provocar o rompimento. Achei que estava bem. Deve ter sido aquilo que dizem sobre a melhora da morte. Pode ser. Já havíamos ficado quase um mês longe mas havia o amanhã. Até que de repente o telefone me tira as horas e faz com que os dias fiquem mais compridos.
O tempo é cruel com a saudade. Tentei me reaproximar. Mostrar que havia mudado. Estava mais segura. Ciúmes era coisa do passado. Quem sabe, disse ele. Acho que foi só por carinho. Chorei à beça. Mas pode ter certeza que chega uma hora que a gente se cansa de sofrer ou de tentar achar explicações. Foi-se. Paciência.
Há Gisele, por que ir ao cinema? Justo no meu primeiro fim de semana que decido me ver solteira? Melhor seria ter ido a uma livraria. Ninguém te olha. Pelo contrário, é comum até levar esbarrões e topadas de gente que anda com a cabeça colada nas orelhas do livro. Beijos e abraços? Nunca vi. Cenas de romance, ciúmes, separações, brigas, reconciliações? Essas são reservadas aos atores dos livros. Como esses personagens são sortudos, pensava. Pelo menos, eles têm a proteção das capas e contracapas. Gostaria de ter esta opção. Escondida entre as páginas viveria minhas mazelas. Tendo apenas o olhar singular de um leitor como testemunha, um por vez. E não tantos olhares. Como acontece em filas, principalmente nos cinemas que agora, para expor ainda mais,têm caixas comum para todos os filmes. Mesmo que eu prefira o de pequena bilheteria, o tempo de espera é o mesmo dos filmes indicados ao Oscar.
Saco. Estava quase desistindo. Devia ter vindo numa segunda-feira. Entraria direto na sala de cinema, calculei. Depois de algum tempo de espera, me desliguei de mim e dos meus medos e percebi que estava mais tranquila. Naturalizei os olhares e a solidão. Lembrei que era um sábado à noite. E como diz a música: tudo pode acontecer. Foi então que senti uma mão no meu ombro. Tive uma espécie de arrepio na boca do estômago. Conhecia aquele toque. Me virei e era o Jaime me devolvendo o livro do Cortázar. Fazia cinco meses que a gente não se via. Dessa vez não vigiei seu olhar e nem tentei invadir seus pensamentos. Lembrei do trecho de uma biografia de mulheres ricas e famosas mas-que-foram- infelizes-no-amor onde alertava: só fica acompanhada quem se enamora de si mesmo. Fiquei sossegada. Prestei atenção no meu coração e ele estava feliz. Lu Fernandhes